sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Lueju

Lueju
Nem Sei por quantos caminhos
Levou-me essa noite torta.
Caminhos de brilho turvo.
Antagonicamente embrenhados de nevoa.
Com sons que convidam a um caminho
Que finda nonada.
Noite ouropretanamente fria,
Que embriaga corpo e mente.
E que
Somente quando principia o seu findar
Encontro alento.
Lueju repleto de sons
Que ressoam as mais belas canções
Nas montanhas em gerais

sexta-feira, 14 de maio de 2010

A Árvore da Copa Vermelha

de Didito Camillo e Marcelino Ramos

Antonio já homem crescido carregava ainda no corpo as marcas da infância.
Do tempo de bem meninice só sabia das histórias que sua mãe contava. Tempo de fartura. Quando moravam lá no Angelim e o lugar era como um vale encantado. Onde o dia todo se via as crianças correndo por toda parte e subindo em arvores com verdes de todos os tons. Época em que as matas não eram alinhadas e escoria água cristalina por toda parte.
Naquele tempo sua família tinha um pedaço de terra onde criavam alguns animais e tinham uma casa de farinha. Nessa época as festas eram abundantes e o trabalho realizado com grande alegria. Até as crianças participavam da lida, tudo como se fosse brincadeira, horas e horas ralando mandioca. Mas festa mesmo, era o dia de ir pra cidade. Levavam farinha e beijú para vender na feira. Traziam tecidos pra fazer roupa nova e mantimentos pra abastecer a dispensa. As carnes eram colocadas em imensos fumeiros acima do fogão de lenha, na enorme cozinha da casa.
E assim viveram por varias gerações os membros de sua família. Acontece que no tempo de sua bem meninice, como que por febre, todos passaram a vender suas terras e partir pra cidade. E com sua família não foi diferente. Seu pai o velho Carlos, da noite pro dia, resolveu vender suas terras e partir pra Barra da Conceição.
A esperança da família era grande em ir pra Barra e viver com os juros do dinheiro que havia conseguido com a venda de suas terras, mas a bem da verdade é que o dinheiro só deu pra comprar uma casinha na Bugia, uma vila de pescadores a beira do Rio Cricaré.



O arrependimento acabara de bater a porta daquela família, mas palavra de homem não volta atrás...
O velho Carlos que em toda sua vida, plantou mandioca pra fazer farinha. Não tinha se quer um quintal que dava pra fazer uma hortinha. A tristeza foi secando a vida daquele velho homem, que passou a abusar da cachaça.
A mudança do Velho Carlos aumentava ainda mais o sofrimento de sua família.
E dessa época Antonio lembra bem, o de bom e o de ruim. Do de bom lembra daquilo que chamava de árvore de copa vermelha, que era na verdade o farol da Barra, onde o menino gostava de subir para ver o infinito azul do mar. E não era só o mar que ele gostava de ver, via também toda a Bugia, com suas casinhas de pescadores, o Rio Cricaré que desembocava no mar e toda a Barra da Conceição. Gostava de ficar em pé no alto da arvore de copa vermelha e sentir a brisa úmida batendo em todo seu rosto,
Do de ruim tentou por anos esquecer. Conseguia não. As marcas estavam por todo seu corpo, e essas eram muitas. Marcas das intermináveis surras, que o incomodaram por várias noites, quando acordava suado e com o corpo todo doído. E olha que essas não doíam tanto como acompanhar a derrocada de um sonho. Quando subir na arvore da copa vermelha já era um pesadelo. Sua família a cada dia ia se desmoronando, com um pai de quem só lembrava, da embriaguês e das surras. Da mãe apenas o choro, calado e seco.
Antonio acostumou a subir na arvore de copa vermelha a noite. Não queria que o pai descobrisse que estava subindo, o que seria um, dos tantos motivos, de mais uma surra. Também por não querer observar o mar que a cada dia engolia um pouco da barra da Conceição.
Um dia o pai de Antonio foi visto pela ultima vez no Laboratório de seu Altair. Como de costume o velho Altair, após receber mais um pedido, foi até a estante escolheu uma garrafa, pegou o pano que sempre carregava nos ombros, limpou a garrafa com carinho quase maternal. Foi até o balcão, pegou o copo. Mas não teve coragem de servir. Em sua frente estava um homem que pouco a pouco morria, junto com seus sonhos. Seu Altair como sempre disse que sua bebida era pra ser apreciada, e não consumida. Quem presenciou a cena disse que o velho Carlos naquele momento teve os olhos cheios de água, resmungou algumas palavras sem sentido e saiu cambaleando em direção ao Angelim. Nunca mais foi visto.


A mãe de Antonio, já cansada pelos dias de muita tristeza, não teve forças pra chorar e nem pra continuar sua caminhada. Faleceu meses depois.
Antonio agora estava só, e se deu conta que não tinha nem mais a árvore de copa vermelha, o mar que a dias atrás tinha levado sua casa, a vila de pescadores, chegou até na árvore da copa vermelha e a levou também. Por essa época Antonio contava com seus quinze anos, todos passados sem festa. Vivia dos mi-vale que ganhava dos pescadores e dos quilos de farinha que conseguia comprar com a fazenda de pequenos serviços. Morava na beira do rio, dormindo cada dia em um barco diferente. Mas era menino bom e rápido com um relâmpago, conseguiu arrumar um emprego. Primeiro como vendedor de peixe na banca de um pescador, em troca de comida, casa e algumas mudas de roupa. Vendedor bom, rapidinho arrumou freguesia. Com muito esforço conseguiu comprar um bicicleta velha, e com ela levava o peixe na casa dos fregueses. Menino responsável e prestativo. Sempre levava mais alguma coisa que os fregueses pediam, gás, compra de mercado, remédio. E sempre ganhava uma gorjeta.
Em pouco tempo Antonio comprou outra bicicleta e chamou um amigo pra trabalhar com ele, quando todos pensaram que o jovem iria trabalhar mais...ele parou de trabalhar um período e voltou a estudar. E exigiu que o amigo fizesse o mesmo, os dois revezavam enquanto um estudava o outro trabalhava. E os negócios prosperaram. Logo, logo passaram de bicicleta pra moto, depois pra uma caminhonete velha até chegarem a um caminhão novinho.
Sem nunca largar os estudos Antonio chegou até a faculdade. Tinha o sonho de ser professor e foi estudar história em São Mateus. Ia todos os dias de ônibus. Já decorrido um ano de seus estudos, no inicio do novo ano letivo, quando o ônibus passou pela BR eis que entra uma jovem das mais bonitas que tem no mundo. Uma morena linda, com cabelos compridos que pareciam querer tocar ao chão, corpo que parecia um viola e olhos cor de mel. Antonio pensou como em todos os anos na Barra nunca tinha visto aquela moça. E a bela morena sentou ao seu lado. Antonio queria perguntar seu nome, mas cadê voz? Não veio se quer uma palavra durante uma semana inteira. Todo dia era a mesma coisa: a moça entrava, sentava a seu lado e ele tremia feito vara verde, as pernas bambeavam e a voz secava. Na sexta-feira, quando voltava da faculdade Antonio comprou um bombom e quando a moça sentou a seu lado ele disse:
-Aceita?
E ela:
-Não!
Voz seca e pernas bambas novamente. Quando chegou ao ponto onde a moça desceria ela disse:
-Eu até gosto muito de bombom, mas é que você só tem um, e eu não queria deixar você sem nada.
Um sorriso e desceu.
O coração de Antonio quase saiu pela garganta. O fim de semana pareceu durar uma eternidade. Na segunda a noite quando foi pra faculdade ele comprou uma caixa de bombom e foi a moça sentar e ouvir:
-Aceita um bombom?
-Agora assim. Mas antes é melhor nos apresentarmos. Sou Tereza...
E foram muitas caixas de bombom até Antonio ter coragem de pegar na mão da moça.
E muitas outras até o pedido de namoro. E quando terminou os estudos veio o casamento.
Antonio então passou os negócios totalmente para seu amigo sócio e passou a dedicar-se exclusivamente a vida de professor, e era dos bons. Logo já tinha sua própria escola, mas sempre dividia seu tempo com a escola publica. Quando sua esposa também se formou veio o filho. Recebido com alegria tamanha que os números da matemática não puderam contar.
Pedrinho foi um menino muito amado. Pai presente, Antonio participava, e festejava, cada conquista do garoto. O abrir dos olhos, as primeiras palavras, os primeiros passos, as primeiras conquistas, primeiro dia na escola...tudo.
Adorava levar o menino pra beira do mar e contar as mais belas histórias. Até que um dia o menino pergunta:
-Papai como era meu avô, seu pai, cadê ele? Conta dele pra mim.
Antonio naquele momento engoliu seco e em um segundo passou por sua mente toda sua vida: a despedida da roça; a chegada de sua família na Barra da Conceição; o arrependimento ; as vezes que seu pai chegava bêbado; as surras; o sofrimento calado de sua mãe...

Refletiu toda sua vida, tudo que seu velho pai havia feito como o chefe daquela família...e como se fosse um relâmpago Antonio pegou seu filho no colo e saiu correndo beira mar e parou em frente ao lugar onde ficava a arvore de copa vermelha.
-Meu filho, aqui foi o melhor momento que vivi com meu pai e agora quero viver com você.
Levou o menino até a beira-d’agua e mostrou como é maravilhoso sentir a brisa úmida e salgada, bater em seu rosto. Antonio naquele momento decide mudar sua história de vida. Falou pro filho que todas as histórias que ele sabia, havia sido contada da por seu velho pai.
Ensinou que o povo sofrido de toda Barra da Conceição deveria se apegar ao Santo Preto e que todo ano ele deveria subir o Rio Cricaré e encontrar com os pretos de São Benedito. E só nesse momento ele estaria mais perto dos seus. E Antonio completou também:
-Ele me fez prometer que eu faria a mesma coisa com meu filho e é com muito amor que faço.

O menino promete que fará o mesmo com seu filho.
Eles vão pra casa e Antonio chora por toda madrugada, ao amanhecer o menino vai ao quarto do pai querendo saber por que o avô foi embora...
-Meu filho, seu avô sempre sentiu muita saudade dos tempos em que morávamos na roça, por mais que tentasse não conseguia se acostumar com a vida na cidade. Mas tinha dado sua palavra e vendido seu pedaço de terra, o orgulho o impedia de voltar atrás. Um dia ele saiu de casa pra comprar farinha e nunca mais voltou. Procuramos por dias e dias. Dizem que ele foi visto rondando pelos lados do Angelim. Fomos até lá, andamos por todos os lados e nada. Sempre dizem que ele está por aquelas bandas, mas nunca mais apareceu.
O menino com os olhos brilhantes, olha para o pai e fala:
-Liga não pai, um dia agente o encontra. Agora vamos procurar juntos.
Os dois se abraçam e Antonio chora.
Desde a conversa passaram muitos dias, e o menino sem falar o porque sempre pedia pra mãe levá-lo no Angelim. Por lá arrumou amigos de todas as idades. Gostava de ouvir os causos e não perdia uma festa de Santa Clara.
Na Barra da Conceição, coisas iam andando não muito bem. A Bugia, a cada dia, mais engolida pelo mar. Finalmente o governo liberou uma verba para a recuperação da Vila de Pescadores, outrora engolida pelo mar. Dia de comemoração na Barra da conceição.
Por sugestão de Antonio a primeira coisa a ser reerguida seria a arvore de copa vermelha, o Farol. E a data escolhida foi o dia 24 de dezembro daquele ano. Tudo preparado, farol reerguido, foguetório na praça, missa em ação de graças e povo todo preparado para a festa.
E naquele 24 de dezembro Pedrinho levantou cedo foi até a beira mar viu o nascer do sol e partiu pro Angelim. Antes passou na casa de Caboclinho, de quem gostava de ouvir causos, viola. Por ali ficou até a hora do almoço. Depois deu mais uma andada, assuntou com um, assuntou com outro e sempre a mesma coisa. Todos diziam que tinham visto, ninguém sabia ao certo onde.
No fim da tarde o menino tava chegando na Barra. Pediu a mãe para levá-lo até a foz do Itaúnas e disse que queria ir pra casa pela beira-mar, gostava de sentir a brisa no fim da tarde. Prometeu cumprir todas as recomendações. Como era menino obediente e a mãe tinha muitos afazeres, foi caminhando sozinho pela areia da praia.
Já no finalzinho da praia da Guaxindiba, Pedrinho avistou um senhor de barba longa e vestido com roupas de porte, mas esfarrapadas.
Duas coisas naquele homem chamaram a atenção de Pedrinho. O olhar triste e as cantigas do Ticumbi que cantava. O menino se aproximou e disse:,
- Boa tarde moço.
- Boa tarde menino.
- Que cantiga bonita, ainda hoje Caboclinho cantou ela pra mim. Onde o senhor aprendeu?
- Num tempo distante menino, tempo de alegria que foi perdida por aí.
- Também procuro uma alegria. Qual o seu nome?
- Meu nome foi perdido criança. E olha que não foi o mais importante que perdi.
Perdi também a brisa. O tempo. A história. O chão.
- E porque você não procura.
- Você ta vendo essas águas, vão dar do outro lado do mundo. Elas levaram tudo que eu tinha.
- Meu pai disse que meu avô, falava que tudo que o mar leva um dia traz de volta. Pelas águas ou pela brisa. Que basta agente acreditar em nossos sonhos. Batalhar e sempre pensar positivo.
- E quem é seu avô.
- Uma pessoa muito especial.
- Moço de sorte esse teu avô. Hein?!!
- Moçô, onde você passará o dia de Natal?
- Por aqui mesmo.
- Sozinho?
- Tenho ninguém não menino. Tudo o que tinha o mar levou. Vou por aqui esperando o tempo passar e quem sabe um dia eu consiga encontrar um pedaço de chão, meu chão. O fim de todos, mas até isso não chega nunca.
- Porque o senhor não vem passar o Natal na minha casa?
- Faz tempo que não sei o que é Natal ou família. Mas acho que seu pai pode achar ruim.
- Que nada. Meu pai me disse que meu avô sempre falava que devemos acolher sempre a quem está perdido. Além do mais, hoje será a festa da volta do farol, é festa em toda cidade. O senhor deve nos dar a honra de sua visita.
O menino ao dizer essas palavras já puxava o velho pelas mãos e com ele caminhava pela beira mar em direção à sua casa. Em todo caminho foi contando as varias aventuras que seu pai descrevia, sempre exaltando seu avô e o carinho com que ele tratava a todos. Quando já se aproximava de sua casa ouviu os fogos e viu o farol novamente de pé. Chegara o momento tão esperado, e seu pai corria em sua direção para que pudessem aproveitar aquele momento juntos. Nos dias anteriores, Antonio tinha virado mundos e fundos para conseguir o direito de subir na “arvore de copa vermelha” com seu filho assim que acabassem os festejos da inauguração.



Ao se aproximar do menino Antonio percebe a presença do velho. De súbito tem um susto enorme, pois, percebe reconhecê-lo. Sente o chão faltar aos seus pés. Não estava preparado para aquele encontro. Naquele momento tem a certeza de ter encontrado seu pior fantasma. As lágrimas... nascem como fonte em seus olhos. O choro toma forma de pranto. E não é somente ele. O velho Carlos também reconhece seu filho, abaixa a cabeça e pela primeira vez em toda sua vida lagrimas escorrem dos olhos, olhos cansados, arrependidos e perdidos. Jamais imaginara que o velho narrado nas histórias, daquele menino tão puro, seria ele. O avô de Pedrinhofora construído por seu pai, com uma pureza capaz de contagiar qualquer coração. O menino sem nada entender tenta perguntar, aos dois, o que está acontecendo. Na verdade tenta achar uma palavra para o que já sabe. Aquele velho que encontrara na praia era na verdade o seu avô.
E as palavras realmente não chegaram. De súbito Antonio pegou o pai e o filho pelos braços e saiu correndo em direção ao farol, encaminhou um a um até a escada e foram subindo. E quando estavam os três no alto da “arvore de copa vermelha” tiveram a impressão de que uma nova vida nascia, novamente sentiram o chão aos seus pés e o puderam ver que uma nova Barra da Conceição estava nascendo. O menino estava feliz por ter encontrado seu avô. Antonio estava feliz porque depois de muitos anos teria um Natal com a família completa. O velho Carlos estava feliz por que o mar começara a devolver a alegria familiar através da brisa úmida e salgada.
Sem dizer uma palavra os três sentiram a brisa percorrer todo seus rosto e por todo corpo.
Naquele dia Antonio prometeu viver a verdadeira história feliz de sua família. O velho Carlos prometeu reescrever sua própria história. E Carlinhos prometeu recuperar todo tempo perdido sem o seu avô.
E os três prometeram recuperar toda beleza e a história da velha e maravilhosa Barra da Conceição.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A MULA

Caminho bonito é o que leva da Fartura até São Miguel do Anta. Estrada de terra. Bonita e com o chão vermelho que chega a refletir nos olhos. De cada lado arvores com mais de 10 metros de altura e que na copa se encontram e abraçam como casais em lua de mel.
Durante todo o dia quando se caminha por essas terras ouve-se silencio e calmaria, só quebrado pelos cantos dos passarinhos. E esses são muitos. Canário da Terra, Coleirinho, Sabiá, Tico-tico Mata Virgem, Merro, Curió, Bem-te-vi... Já quase chegando em São Miguel do Anta tem a ponte do Vivino no córrego da Fartura, com água batendo nas canelas e onde em dias de calor a molecada gosta de refrescar o corpo.
Porem toda essa beleza é encoberta pela noite, quando não se vê nem a luz da lua e a cantoria de passarinho é cortada pelo pio agourento de coruja e pelo ranger das arvores, que quando sopra o vento parece que vão cair na cabeça da gente.
Certa feita Seu Zé Otacílio teve que ir da Fartura pra São Miguel do Anta durante a noite, modo de comprar uns remédios para sua avó que estava meio perrengada. Era tempo de quaresma e por toda parte se ouvia caso de assombração.
Acompanhado pelo medo e por sua varinha de pau mulato, Zé Otacílio partiu a passos largos. De repente Zé Otacílio ouve ao longe o trotar de Cavalo e um assovio cortando o Silencio. Logo se lembrou da história que mais tinha medo, Mula sem cabeça. Lembrou que seu avô dizia que de Mula Sem Cabeça agente ouve três trotar. O primeiro a bicha está bem longe, o segundo ela já estava por perto e o terceiro é melhor nem escutar.
Zé Otacílio apertou um pouco o passo e seguiu em frente. Certo tempo depois ele ouve o segundo trotar. Arrepiado de medo ele lembra que seu avô dizia que para fugir de Mula Sem Cabeça era preciso esconder as unhas, fechar a boca modo de esconder os dentes e fechar os olhos. Por esse tempo ele estava passando pelas proximidades da Ponte do Vivino e resolveu esconder debaixo da ponte, já que água só batia nas canelas.
Assim o fez. Foi para debaixo da ponte colocou a mão nos bolsos, fechou a boca e os olhos.
De repente Seu Zé Otacílio sente que tem companhia. Sem coragem para abrir os olhos e tremendo de medo sente outra pessoa encostando-se nele com tremedeira e igual falta de coragem. Foi quando se ouviu o terceiro trotar e um assovio assombroso. E essa trotar foi logo acima da ponte. Mas passou e foi em direção a São Miguel do Anta. Deu até pra sentir o clarão do fogo que saia das venta da bichona.
Aliviado Seu Zé Otacílio tira as mãos do bolso, abre a boca e os olhos. Quando dá por si quem é que ta do seu lado? O Lobisomem!!!!! Seu Zé enche os pulmões de ar e exclama.
-Você também tem medo de Mula Sem Cabeça né rapaz...

terça-feira, 21 de abril de 2009

O CAUSO DE GERALDO OU A INFINITA HISTÓRIA DE AMOR EM SETE NOITES DE LUA CHEIA

Antes de qualquer coisa falar
É necessário que eu me apresente
Pois quem me vê aqui nessa rua
Rimando versos contentes
Não faz idéia de onde eu venho
E muito menos quais intenções são as minhas
Pois então digo
Eu mesmo venho das Minas
O lugar exato não digo
Mas sou gente das montanhas
E dos cerrados gerais

A chegada é hora bem pedida
Mas é na hora da partida
Que fica o bom sentimento da saudade
Venho vindo de traz daquela serra
E tenho passado de cidade em cidade.
Por esses caminhos deixei minha mocidade
Mas nessas estradas escrevi minha trajetória.
Por cada gente que cruzo
Tanto ouço como conto histórias
Causos passados nas minhas andanças.
Por vezes histórias tristes
Por outras fatos de esperança
Alguns menos, fatos sem importância.
Por todo lado sempre um acontecido.
Porem o mais belo caso que trago comigo
É uma linda história de amor
E pro causo ser mais bonito,
É uma história de amor correspondido
Que qualquer outro homem poderia ter vivido
Mas o nome desse bendito
É Geraldo
E pra vocês poder se situar

Cena 2
Pense num lugar bem pequeno e humilde (pausa). É lá mesmo. Imaginem uma cidade de um povo simples e festivo (pausa). É lá mesmo. Imaginem uma cidade de um povo alegre e acolhedor (pausa). E agora imaginem uma cidade perdida no tempo e sem história pra contar (pausa). Não é lá não. Pois São Miguel do Anta é uma cidade de muitas e belas histórias. E foi lá que nasceu Geraldo Lopes, o mais novo de três irmãos. Ele vivia com sua mãe que era viúva. Filomeno e Domingos, seus dois irmãos eram casados e moravam na cidade.
Geraldo morava na roça e sempre gostou da lida. Passava seus dias entre bois, cavalos e o cuidado com o roçado, no pedaço de terra que herdou do pai. Um moço sem grandes ambições. Só não abria mão de ouvir seu radinho de pilha, participar do jubileu de Santa Filomena e da festa de Nossa Senhora do Rosário.
(Geraldo, cantando)
Oh Senhora do Rosário
A sua casa Cheira
Cheira cravo, cheira rosa
Cheira flor de laranjeira


Cena 3
Certa feita ele estava navegando de canoa pelo grande Rio Casca, um rio cheio de peixes e histórias. Quando derrepente das águas começaram a nascer estrelas de todas as cores. Geraldo parou e ficou embasbacado. Queria gritar, mas não tinha voz. Queria dançar, mas o corpo paralisou. Queria correr, mas as pernas bambearam. A única coisa que nele movia era o coração, que batia acelerado e descompassado. De um jeito que nunca tinha batido antes. Seus olhos não acreditavam no que via.
Do outro lado do rio ele avistou uma bela dona, de lindos cabelos negros crescidos ao leu até a linha da cintura. A imagem perfeita da beleza. E não teve alternativa, Geraldo foi flechado bem no coração. E nesse momento sentiu um perfume que nunca sentira antes. E esse cheiro tomou conta de todo o ar e embriagou Geraldo de tal forma que palavras lhe faltavam para expressar o que sentia. E a única coisa que conseguiu dizer á mais belas de todas as moças foi:
-Ô moça sê não tem medo do Caboclo D água não. Dizem que têm muitos por aqui.
E a moça, que até então estava distraída, levou um susto e saiu correndo. Geraldo se esqueceu de onde estava e saiu correndo atrás da dela, caiu no rio. Mas não se conteve e foi nadando até a outra margem. Quando saiu do rio não sabia se o acontecido era verdade ou apenas fruto de sua imaginação. O rio já corria normalmente, sem uma estrela sequer e perfume já mais estava no ar.
Quando Geraldo estava indo embora, convencido de que tudo não passava de um sonho, encontrou agarrado em um arbusto um pedaço de pano branco. Do mesmo tecido do vestido que a moça usava, e que ainda tinha um pouco do perfume que o embriagou há tempos atrás. Geraldo chamou, gritou e implorou durante horas, mas não foi atendido.

Cena 4
Ele achou estranho que não conhecesse aquela dama.
Também pudera, Nadirinha era nova naquelas bandas. Seu pai nasceu na Capivara do Pingo, mas quando moço se envolveu em umas pendengas com os filhos de um fazendeiro e teve que fugir. Morou por muitos tempos em fazendas da região de São Domingos no município de Araponga. Por lá casou e teve duas filhas. A mais velha casou e foi morar em Ervália. Nadirinha ficou morando com o pai, que era viúvo e tinha fama de bravo.

Cena 5
Depois daquele encontro Geraldo vivia com o pensamento na lua. Por vezes ficava até altas horas da madrugada acordado contando estrelas e conversando com a lua. E em outras ocasiões passava dias e dias andando de canoa pelo rio. Muita gente chegou a pensar que ele estava era sofrendo de encanto. Uns diziam que era coisa da Iara. Uma índia muito bonita, que encantava os homens e os levavam pro fundo do rio. Teve gente que jurou ter visto Geraldo conversando com uma índia na beira do rio e que ela tinha o corpo metade mulher e metade peixe.
O que se sabe é que o homem tava mudado. Ao invés de plantar roça só plantava flores. Abandonou a lida com os animais, e toda semana passava na barbearia de seu Nico Felix, para cortar cabelo e fazer a barba.

Cena 5
Sua mãe ficou preocupada e resolveu passar uns dias na casa de Domingos, seu filho mais velho. Que morava na cidade. Pensou que talvez por lá encontrasse recurso de levar Geraldo a um medico ou a um benzedor. E que Deus não permita, mas caso fosse o caso poderia levá-lo para Barbacena.
No caminho D. Maria, resolveu parar na igreja para confessar e mandou que ele fosse à frente.
E foi nesse momento que a vida preparou um acaso. Pois ela, a vida, sempre prepara os mais belos acasos para os homens de boa fé.

Cena 6
Quando chegou à casa de Domingos, ao entrar, a primeira e única coisa que Geraldo avistou foi a bela moça. Lá estava ela aos serviços de seu irmão, passando roupa com ferro de brasa. Ele estava completamente apaixonado. Chegou bem perto e perguntou seu nome.
-Nadirinha a seu dispor.
-Ao meu dispor e ao meu amor.
Disse ele apaixonado. E dançou por toda casa. Foi até o jardim colheu a mais bela flor, colocou em seus cabelos e a convidou para ir ao cinema naquela mesma noite. E ela meio encantada e surpresa aceitou o convite.
E naquela mesma noite São Miguel do Anta foi iluminada pela mais bela lua de que se tem noticias naquelas bandas. E na hora marcada lá estavam os dois, encantados e embriagados pelo perfume do amor. E durante toda aquela lua cheia Nadirinha e Geraldo se amaram por todas as noites, e a cada dia ficavam mais apaixonados. Quando estavam separados parecia que o tempo estava congelado no espaço. Quando estavam juntos as horas pareciam correr como enchente de rio. Durante os sete dias de lua cheia os amantes não sentiram cansaço, fome, sono ou sede. Durante o dia se ocupavam com os afazeres, para que tempo passasse mais rápido. E a noite se ocupavam com um amor puro e sublime. Vivido por ambos com a intensidade de um vulcão em erupção.

Cena 7
Mas acontece que nem tudo nessa vida é tão perfeito com Deus desenha. Ou os desenhos de Deus é q são tortos?) E tão rápido como surgiu a amor surgiram os boatos. A conversaria. O mexerico. As fofocas. Golpe do baú. Interesse. Gravidez. De tudo se falava. Da cidade ao córrego fundo. Da Capivara até a Fundaça. Do Sem-peixe ate a Ponte do Rio. Todos falavam, todos comentavam. Uma pouca vergonha. Um golpe, com certeza um golpe.
Alheios aos comentários Nadirinha e Geraldo se amavam cada vez mais.
Mas Filomeno, irmão do meio de Geraldo, convoca uma reunião de família, e decidem acabar com aquela pouca vergonha.
-Pois é um absurdo um homem da sua idade se deixar enganar por uma caboclinha qualquer. Que só quer saber do seu dinheiro. No mínimo deve estar grávida. Ta procurando a sua herança.

Cena 8
Abateu-se profunda tristeza em Geraldo. Mas não desistiu. E foi até a igreja procurar o padre. Mais coisa rara era vê-lo na igreja. Mais comum era encontrá-lo no Bar de Geraldinho ou no Bar de Mario Nogueira

Cena 9
Padre Wandick sempre foi um homem muito querido por todos na cidade... Quando chegou a São Miguel o padre não bebia, e por estar em uma cidade muito festeira o padre, para não fazer desfeita, começou a tomar vez ou outra uns goles numa cachacinha. O que no inicio era somente para não fazer desfeita foi virando habito e depois virou rotina. Era certeiro quando não estava rezando missa o padre estava no bar esquentando o peito com uma “água benta” de onde por várias vezes saía amparado por duas ou mais pessoas.
Mas nunca ninguém o levou para casa. Pois num precisava. O padre tinha um fusca ensinado, batizado pelo nome de Guilherme. O tal fusca azul calcinha, melhor dizendo azul celeste era o carro da paróquia. E todos sempre quiseram saber como sem nem ao menos conseguir dar um passo sequer, o Padre Wandick era colocado dentro do fusca, girava a chave e ia até a sua casa, só mesmo sendo ensinado.
E foi Bafo-de-bode, um dos bebuns mais famosos da cidade, que certa vez jurou de pé junto que viu Guilherme, o fusca ensinado, levar o padre até a porta da casa paroquial e voltar sozinho pra garagem. E depois disso ele só dormia ao lado do fusca.
- Se ele leva o padre são e salvo até a porta da casa, proteger o velho Bafo é muito mais fácil.
E a verdade é que Bafo só veio a morrer, e de frio, depois que não tinha mais o fusca por perto. Mas isso é outra história.
Voltando ao fusca Guilherme. Ele já deu muito banho de gasolina no moleques, que vez ou outra, assaltavam o tanque do padre. Mas impressionante mesmo foi um dia, em que ao invés de só roubarem gasolina resolveram levar o fusca. Queriam só dar umas voltas em Viçosa e depois devolveriam. Mas acontece que acostumado a carregar o padre encharcado de “água benta” pelas perigosas estradas de Canaã, o fusca com outro motorista, fez birra, não fez nem quatro curvas e virou de roda pra cima. Claro que sendo um fusca ensinado e bento, ninguém se machucou. Nem bombeiro nem policial desvirava o fusca. Diz que foi só padre Wandick chegar que Guilherme desvirou sozinho, deu duas buzinadas e ainda trouxe o padre de volta pra casa. Foi o primeiro fusca a álcool que eu conheci.

Cena 10
Mas agora vamos adiante e voltemos atrás.
Foi no bar de Geraldinho que Geraldo Lope encontrou com o padre. Contou ao Padre Wandick toda a situação e pediu que ele fizesse um casamento escondido. E ainda naquele dia.
Mas os boatos correram mais rápido que Geraldo. E quando ele voltou pra casa de Domingos, D. Maria, sua mãe já o estava esperando. E foi ele chegar e ir ouvindo prosa.
-Muito bonito senhor Geraldo. O que você quer me matar de desgosto. Desonrar meu nome, o nome do seu pai e de toda a família. Já estou velha mais ainda sou sua mãe e o senhor me deve respeito. E quanto ao senhor se quiser me ter como mãe, não se encontre nunca mais com essa caboclinha.
Não contente a velha ordenou a Domingos que colocasse Nadirinha no olho da rua.
Cena 11
Excomungada. Escorraçada e mal falada na cidade toda. A coitada da menina decidiu partir da cidade. Separou suas coisas, juntou sua mala.
Ao saber da partida de sua amada, Geraldo imediatamente vendeu suas terras a um irmão e partiu atrás da amada
Quando Nadirinha viu Geraldo chegar à rodoviária e gritar seu nome, seus olhos mudaram de cor e um sorriso enorme tomou conta de seu rosto. Ela não acreditava que Geraldo iria partir com ela.
Assim, Geraldo sacou o dinheiro e estendeu a dama.
-Para que em sua viagem não fique desamparada.
Ela fechou o sorriso. Não chorou. Não falou. Apenas partiu

Cena 12
E Geraldo de bom moço e abastado tornou-se um braçal. Tornou-se um homem duro da lida, de mãos ásperas e coração seco.
E como amigo e confidente encontrou Carrapicho.
E o dito Carrapicho era uma das figuras mais estranhas da cidade. Tinha três paixões. Suas terrinhas, no Córrego fundo, a meia dúzia de vacas que tinha e as Festas de folia de Reis. As terras e as vaquinhas eram sua lida diária e a folia sua maior diversão. Onde trocava um triangulo que era feito com trilho de trem e tocado com um vergalhão desses de construção. Dizem que quando ele tocava ficava até meio que pendendo de lado, devido ao peso do instrumento.
Certa feita, Geraldo e Carrapicho foram para uma festa na cidade de Pedra do Anta. Partiram na sexta-feira e só voltaram na segunda. Quando estavam chegando ao sitio de Carrapicho, assim que atravessaram a porteira, sentiram um cheiro meio estranho. O velho Carrapicho procurou, procurou e quando assustou viu uma de suas vaquinhas atolada no brejo. Já morta. Estendida a léu e á própria fome dos urubus. Carrapicho pegou umas pedras e atirou. Uma depois outra. Até que todos os urubus fossem embora. E depois que os bichos partiram disse:
-Ô Geraldo vai lá dentro ascende o fogo, coloca o tacho de cobre com água pra ferver e uma gordura pra esquentar.
-Mas que isso Carrapicho, essa vaca já ta é fedendo.
-Sê bobo sô. Sal é barato, pimenta não custa dinheiro. Ce acha que eu vou desperdiçar carne.
Cena 13
E foi com Carrapicho que Geraldo virou freqüentador assíduo da venda de Seu Raimundo Rosa. E esse referido estabelecimento ficava no caminho entre a Esperança e Córrego São José. Era uma dessas casas onde se acha de tudo. Desde mantimentos até uma cachacinha da boa. O espaço era muito simples, não muito grande, mais simpático. Um salão, com varias estantes e caixotes com mantimentos, uma estante com as bebidas, um balcão e do lado de fora, em uma varanda de meia parede, uma mesa de sinuca e uns bancos de madeira. Só tinha um detalhe, a venda era meio suja e cheia de teias de aranha. Quando alguém reclamava da sujeira Seu Raimundo Rosa dava um sorrisinho de lado e dizia.
-Cê bobo sô, quanto mais sujeira mais dinheiro.
Toda a noite, a caminho da venda, ao passar em frente á fazenda de Juquinha de Assis, Geraldo levava um galope de dois cachorros amarelos. Era toda noite a mesma coisa.
Um dia ao chegar à venda Geraldo falou pra Zezinho, que era filho mais moço de Juquinha de Assis.
-Ô Zezinho, cê podia dar um jeito de prender aqueles cachorros. Que todo dia eles tão me galopeando por essas estradas. E isso não ta certo não.
E com deboche Zezinho falou.
-Que isso homem de Deus os bichos são mansinhos, mansinho. Além do mais não comem carne de segunda.
E essa não foi a única vez que Geraldo fez o alerta não. Mas sempre a resposta vinha com deboche.
Então na sexta-feira quando Carrapicho foi até a cidade, levar umas galinhas pra vender, Geraldo fez uma encomenda.
-Ô Carrapicho, ce pega aqui esse dinheiro e passa na farmácia do Francisquinho e me traz meia dúzia de bala, pra revolver 38. Vá lá, que lá é certeiro que tem.
Carrapicho ficou meio assustado, mas atendeu o amigo sem perguntar nada. E naquela noite Geraldo carregou seu 38, pôs na cintura e partiu em direção à venda. Quando passou em frente à fazenda não deu outra. Os dois cachorros vieram latindo. E foi um tiro pra cada um. Certeiro. Na cabeça. E esses não incomodam mais ninguém.
Geraldo chegou à venda e pediu a Seu Raimundo uma dose de cachaça, depois outra. E ficou por ali sentado num banco e proseando. Não tardou muito e apareceu Zezinho, que já foi falando.
-Ô Geraldo! Faz favor. Chega inté aqui homem.
Geraldo saiu do lado de fora da venda e Seu Raimundo Rosa foi atrás, já prevendo confusão.
-Pois não Zezinho.
-Que história é essa do senhor matar meus dois cachorros. Posso saber.
-Gente vamos deixar de confusão.
Falou Seu Raimundo.
-Ô Zezinho eu vou te falar uma coisa rapaz. Do revolver que matou aquelas duas peste ainda tem mais quatro balas. E se eu gastar uma delas com você vai ser mais bem gasto. Porque o cachorro é bicho inocente e você não vale nada.
E sacou a arma.
Nesse momento Zezinho sumiu na estrada e Seu Raimundo Rosa deu um mergulho na meia parede, rolou por cima da mesa de sinuca, entrou pra dentro da venda e deu o movimento por encerrado.

Cena 14
E Geraldo no mesmo dia fez um cruzeiro. Foi até as margens do rio, no mesmo local onde tinha avistado pela primeira vez Nadirinha. Atravessou o rio a nado, fincou o cruzeiro ao lado do arbusto onde encontrou o pedaço do vestido da bela dona e fez um juramento.
-Eu juro! Pelo amor que sinto a Nadirinha, e pelo temor que tenho a Deus. Que nunca mais, nunca mais, nem tocarei e muito menos amarei mulher alguma.
E depois desse acontecido, passaram mais de trinta anos. E Geraldo era só do trabalho pra casa. E por mais que D.Maria tentasse, ele jamais quis saber de outra mulher. Tornou um homem de poucas e acertadas palavras.

Cena 15
Por essa época D.Maria tinha por melhor companhia um coelho branco, que era o xodó da velha. Por vezes até na cama o bichinho dormia. Tudo ia indo muito bem. Até que mudou pra fazenda Rita de Zé Bernardo e com ela um cachorro, que a molecada chamava de Til. O bicho era mansinho que só vendo. Vivia no terreiro. Mais só que um dia Rita viu o cachorro correndo atrás do coelho. Ele olhava o bicho e lambia os beiços. A dona logo pensou.
-Vou ter que prender esse cachorro. Se ele comer esse coelho a velha tem um troço.
E assim fez, colocou Til na coleira. Tudo ia indo muito bem. Até que um dia os meninos resolveram soltar o cachorro para irem levar o almoço do pai, que trabalhava nas plantações de milho. E não é que o cachorro apareceu no terreiro antes dos meninos. E com o coelho na boca, todo sujo de terra e de sangue e morto. D.Rita mais que depressa tomou o coelho da boca do cachorro, lavou o bicho com sabão de abacate, pôs pra quará e depois lavou com sabonete. E ele ficou branquinho, branquinho. Ela esperou secar. Foi até a janela da sala de D.Maria e pé por pé, colocou o defunto do coelho na janela. Sem nenhum vestígio do ataque do cachorro.
Quando D.Maria chegou à sala que reconheceu o corpo de seu coelho, exclamou.
-Creio em Deus padre três vezes. Esconjuro Nosso Senhor Jesus Cristo. Sangue do pai eterno tem poder. Virgem Santíssima me valha.
E falou também mais o nome de quase todos os santos da folhinha de mariana. Logo depois caiu no chão, de paletó abotoado e pé junto, mortinha da silva. Morreu de ataque cardíaco. Adevido ao susto que levou.
É que naquela manhã seu coelho tinha morrido, engasgado com uma sacola plástica. A velha mesmo foi quem fez a cova e enterrou o coelho. Tinha até colocado uma cruz com o nome do bichinho. Debrisco. E agora ele apareceu ali na janela limpo e branco tal qual alma penada em despedida pro céu dos coelhos.

Cena 16
Quando soube da morte de sua mãe Geraldo estava dançando congado na festa de Nossa Senhora de Rosário. Ficou dividido por um sentimento de tristeza e outro de liberdade. Durante todo o velório não disse uma palavra. Dizem que durante o enterro, enquanto carregava o caixão as lagrimas escorriam de apenas um dos olhos. E no outro estava escondida uma alegria que transparecia amor e liberdade.
E foi só terminar a ultimas reza que Geraldo foi para casa correndo. Arrumou suas malas e partiu em busca de seu único e verdadeiro amor.

Cena 17
E Geraldo encontrou Nadirinha em um lugar onde jamais imaginou pisar um dia. Na cidade grande. E encontrou não só ela, mas também um casal de filhos, gêmeos que aparentavam uns vinte anos. Depois chegou na casa um homem que, aparentava trinta anos e Geraldo parecia conhecer de algum lugar. Ele perguntou a Nadirinha:
-É seu marido?
-Meu filho mais velho.
Isso intrigou Geraldo, porque coincidia com a data da lua mais bela de São Miguel do Anta. E além do que o rapaz trazia muitos traços de sua juventude.
-Será meu filho, será meu filho, será meu filho.
-Não! Ele é o fruto de um grande amor. De uma grande história.
E devido à grande insistência de Geraldo, Nadirinha partiu para um destino desconhecido. Deixando na mente do homem a duvida eterna.
-Será aquele garoto uma semente minha. Será ela a continuação da minha vida. A consagração de meu infinito amor.
Mas isso ninguém saberá. Porque Nadirinha ainda guardava algumas magoas, sofrera muito com o reencontro e sumiu no mundo. E Geraldo foi atrás, sem rumo.

Cena 18
Pelos caminhos da vida. Anda Geraldo hoje por todo o país e se necessário até fora dele, a procura de seu grande amor. O cometa que iluminou resplandecentemente sua vida. E desapareceu tão rápido como da primeira vez.
Hoje Geraldo procura a grande história, por todas as cidades dessas minas, por seus vales e serras. Com a esperança de encontrar, nem que seja por um instante, a luz que ilumina sua vida.

Cena 19
Mas meus caros espectadores não fiquem tristes. Pois o amor. Ah!!! O amor. È o mais resplandecente de todos os cometas. E o amor de Geraldo e Nadirinha foi capaz de permanecer iluminando e aquecendo seus corações por muito e muitos anos. E tenho certeza até a eternidade.
Então olhemos a nossa volta o procuremos nosso cometa. O cometa do amor. E nunca se esqueçam que o amor verdadeiro não se desfalece no tempo e muito menos se perde na estrada. O amor verdadeiro é de Deus a morada e para sempre em nosso peito e em nossa mente ficará guardado.


Cena 20
Meus queridos amigos
Não era esse o meu desejo
Mas é nessa hora que faço o encejo
Preciso por aqui terminar
Por essas minas Gerais
Muitos lugares preciso ainda andar
Pois busco a continuação dessa história
Pra saber se há nela um fim
Que seja ele bom ou ruin
Mas isso não tem importância
Importante é seguir nas minhas andanças
Caminhando sempre prela estrada.
Nessa minhas história
Tem coisa real e coisa inventada
E pra quem gostou
Peço menos que nada
Qualquer ajuda em dinheiro
Que seja uma moeda trocada
Pra uma ajuda na viagem
Se não tiver dinheiro por acaso
Faça pois uma homenagem
dando um forte aplauso
um pouquinho pra mim
e o resto tudo pra Geraldo

Coelhinho Branco

Por época de seu noventa anos D.Maria tinha por melhor companhia um coelho branco, que era o xodó da velha. Por vezes até na cama o bichinho dormia. Tudo ia indo muito bem. Até que mudou pra fazenda Rita de Zé Bernardo e com ela um cachorro, que a molecada chamava de Til. O bicho era mansinho que só vendo. Vivia no terreiro. Mais só que um dia Rita viu o cachorro correndo atrás do coelho. Ele olhava o bicho e lambia os beiços. A dona logo pensou.
-Vou ter que prender esse cachorro. Se ele comer esse coelho a velha tem um troço.
E assim fez, colocou Til na coleira. Tudo ia indo muito bem. Até que um dia os meninos resolveram soltar o cachorro para irem levar o almoço do pai, que trabalhava nas plantações de milho. E não é que o cachorro apareceu no terreiro antes dos meninos. E com o coelho na boca, todo sujo de terra e de sangue e morto. D.Rita mais que depressa tomou o coelho da boca do cachorro, lavou o bicho com sabão de abacate, pôs pra quará e depois lavou com sabonete. E ele ficou branquinho, branquinho. Ela esperou secar. Foi até a janela da sala de D.Maria e pé por pé, colocou o defunto do coelho na janela. Sem nenhum vestígio do ataque do cachorro.
Quando D.Maria chegou à sala que reconheceu o corpo de seu coelho, exclamou.
-Creio em Deus padre três vezes. Esconjuro Nosso Senhor Jesus Cristo. Sangue do pai eterno tem poder. Virgem Santíssima me valha.
E falou também mais o nome de quase todos os santos da folhinha de mariana. Logo depois caiu no chão, de paletó abotoado e pé junto, mortinha da silva. Morreu de ataque cardíaco. Adevido ao susto que levou.
É que naquela manhã seu coelho tinha morrido, engasgado com uma sacola plástica. A velha mesmo foi quem fez a cova e enterrou o coelho. Tinha até colocado uma cruz com o nome do bichinho. Debrisco. E agora ele apareceu ali na janela limpo e branco tal qual alma penada em despedida pro céu dos coelhos.

Movimento Encerrado

Foi com Carrapicho que Geraldo virou freqüentador assíduo da venda de Seu Raimundo Rosa. E esse referido estabelecimento ficava no caminho entre a Esperança e Córrego São José. Era uma dessas casas onde se acha de tudo. Desde mantimentos até uma cachacinha da boa. O espaço era muito simples, não muito grande, mais simpático. Um salão, com varias estantes e caixotes com mantimentos, uma estante com as bebidas, um balcão e do lado de fora, em uma varanda de meia parede, uma mesa de sinuca e uns bancos de madeira. Só tinha um detalhe, a venda era meio suja e cheia de teias de aranha. Quando alguém reclamava da sujeira Seu Raimundo Rosa dava um sorrisinho de lado e dizia.
-Cê bobo sô, quanto mais sujeira mais dinheiro.
Toda a noite, a caminho da venda, ao passar em frente á fazenda de Juquinha de Assis, Geraldo levava um galope de dois cachorros amarelos. Era toda noite a mesma coisa.
Um dia ao chegar à venda Geraldo falou pra Zezinho, que era filho mais moço de Juquinha de Assis.
-Ô Zezinho, cê podia dar um jeito de prender aqueles cachorros. Que todo dia eles tão me galopeando por essas estradas. E isso não ta certo não.
E com deboche Zezinho falou.
-Que isso homem de Deus os bichos são mansinhos, mansinho. Além do mais não comem carne de segunda.
E essa não foi a única vez que Geraldo fez o alerta não. Mas sempre a resposta vinha com deboche.
Então na sexta-feira quando Carrapicho foi até a cidade, levar umas galinhas pra vender, Geraldo fez uma encomenda.
-Ô Carrapicho, ce pega aqui esse dinheiro e passa na farmácia do Francisquinho e me traz meia dúzia de bala, pra revolver 38. Vá lá, que lá é certeiro que tem.
Carrapicho ficou meio assustado, mas atendeu o amigo sem perguntar nada. E naquela noite Geraldo carregou seu 38, pôs na cintura e partiu em direção à venda. Quando passou em frente à fazenda não deu outra. Os dois cachorros vieram latindo. E foi um tiro pra cada um. Certeiro. Na cabeça. E esses não incomodam mais ninguém.
Geraldo chegou à venda e pediu a Seu Raimundo uma dose de cachaça, depois outra. E ficou por ali sentado num banco e proseando. Não tardou muito e apareceu Zezinho, que já foi falando.
-Ô Geraldo! Faz favor. Chega inté aqui homem.
Geraldo saiu do lado de fora da venda e Seu Raimundo Rosa foi atrás, já prevendo confusão.
-Pois não Zezinho.
-Que história é essa do senhor matar meus dois cachorros. Posso saber.
-Gente vamos deixar de confusão.
Falou Seu Raimundo.
-Ô Zezinho eu vou te falar uma coisa rapaz. Do revolver que matou aquelas duas peste ainda tem mais quatro balas. E se eu gastar uma delas com você vai ser mais bem gasto. Porque o cachorro é bicho inocente e você não vale nada.
E sacou a arma.
Nesse momento Zezinho sumiu na estrada e Seu Raimundo Rosa deu um mergulho na meia parede, rolou por cima da mesa de sinuca, entrou pra dentro da venda e deu o movimento por encerrado.

Carrapicho

O dito Carrapicho era uma das figuras mais estranhas da cidade. Tinha três paixões. Suas terrinhas, no Córrego fundo, a meia dúzia de vacas que tinha e as Festas de folia de Reis. As terras e as vaquinhas eram sua lida diária e a folia sua maior diversão. Onde trocava um triangulo que era feito com trilho de trem e tocado com um vergalhão desses de construção. Dizem que quando ele tocava ficava até meio que pendendo de lado, devido ao peso do instrumento.

Certa feita, Geraldo e Carrapicho foram para uma festa na cidade de Pedra do Anta. Partiram na sexta-feira e só voltaram na segunda. Quando estavam chegando ao sitio de Carrapicho, assim que atravessaram a porteira, sentiram um cheiro meio estranho. O velho Carrapicho procurou, procurou e quando assustou viu uma de suas vaquinhas atolada no brejo. Já morta. Estendida a léu e á própria fome dos urubus. Carrapicho pegou umas pedras e atirou. Uma depois outra. Até que todos os urubus fossem embora. E depois que os bichos partiram disse:

-Ô Geraldo vai lá dentro ascende o fogo, coloca o tacho de cobre com água pra ferver e uma gordura pra esquentar.

-Mas que isso Carrapicho, essa vaca já ta é fedendo.

-Sê bobo sô. Sal é barato, pimenta não custa dinheiro. Ce acha que eu vou desperdiçar carne.