terça-feira, 21 de abril de 2009

O CAUSO DE GERALDO OU A INFINITA HISTÓRIA DE AMOR EM SETE NOITES DE LUA CHEIA

Antes de qualquer coisa falar
É necessário que eu me apresente
Pois quem me vê aqui nessa rua
Rimando versos contentes
Não faz idéia de onde eu venho
E muito menos quais intenções são as minhas
Pois então digo
Eu mesmo venho das Minas
O lugar exato não digo
Mas sou gente das montanhas
E dos cerrados gerais

A chegada é hora bem pedida
Mas é na hora da partida
Que fica o bom sentimento da saudade
Venho vindo de traz daquela serra
E tenho passado de cidade em cidade.
Por esses caminhos deixei minha mocidade
Mas nessas estradas escrevi minha trajetória.
Por cada gente que cruzo
Tanto ouço como conto histórias
Causos passados nas minhas andanças.
Por vezes histórias tristes
Por outras fatos de esperança
Alguns menos, fatos sem importância.
Por todo lado sempre um acontecido.
Porem o mais belo caso que trago comigo
É uma linda história de amor
E pro causo ser mais bonito,
É uma história de amor correspondido
Que qualquer outro homem poderia ter vivido
Mas o nome desse bendito
É Geraldo
E pra vocês poder se situar

Cena 2
Pense num lugar bem pequeno e humilde (pausa). É lá mesmo. Imaginem uma cidade de um povo simples e festivo (pausa). É lá mesmo. Imaginem uma cidade de um povo alegre e acolhedor (pausa). E agora imaginem uma cidade perdida no tempo e sem história pra contar (pausa). Não é lá não. Pois São Miguel do Anta é uma cidade de muitas e belas histórias. E foi lá que nasceu Geraldo Lopes, o mais novo de três irmãos. Ele vivia com sua mãe que era viúva. Filomeno e Domingos, seus dois irmãos eram casados e moravam na cidade.
Geraldo morava na roça e sempre gostou da lida. Passava seus dias entre bois, cavalos e o cuidado com o roçado, no pedaço de terra que herdou do pai. Um moço sem grandes ambições. Só não abria mão de ouvir seu radinho de pilha, participar do jubileu de Santa Filomena e da festa de Nossa Senhora do Rosário.
(Geraldo, cantando)
Oh Senhora do Rosário
A sua casa Cheira
Cheira cravo, cheira rosa
Cheira flor de laranjeira


Cena 3
Certa feita ele estava navegando de canoa pelo grande Rio Casca, um rio cheio de peixes e histórias. Quando derrepente das águas começaram a nascer estrelas de todas as cores. Geraldo parou e ficou embasbacado. Queria gritar, mas não tinha voz. Queria dançar, mas o corpo paralisou. Queria correr, mas as pernas bambearam. A única coisa que nele movia era o coração, que batia acelerado e descompassado. De um jeito que nunca tinha batido antes. Seus olhos não acreditavam no que via.
Do outro lado do rio ele avistou uma bela dona, de lindos cabelos negros crescidos ao leu até a linha da cintura. A imagem perfeita da beleza. E não teve alternativa, Geraldo foi flechado bem no coração. E nesse momento sentiu um perfume que nunca sentira antes. E esse cheiro tomou conta de todo o ar e embriagou Geraldo de tal forma que palavras lhe faltavam para expressar o que sentia. E a única coisa que conseguiu dizer á mais belas de todas as moças foi:
-Ô moça sê não tem medo do Caboclo D água não. Dizem que têm muitos por aqui.
E a moça, que até então estava distraída, levou um susto e saiu correndo. Geraldo se esqueceu de onde estava e saiu correndo atrás da dela, caiu no rio. Mas não se conteve e foi nadando até a outra margem. Quando saiu do rio não sabia se o acontecido era verdade ou apenas fruto de sua imaginação. O rio já corria normalmente, sem uma estrela sequer e perfume já mais estava no ar.
Quando Geraldo estava indo embora, convencido de que tudo não passava de um sonho, encontrou agarrado em um arbusto um pedaço de pano branco. Do mesmo tecido do vestido que a moça usava, e que ainda tinha um pouco do perfume que o embriagou há tempos atrás. Geraldo chamou, gritou e implorou durante horas, mas não foi atendido.

Cena 4
Ele achou estranho que não conhecesse aquela dama.
Também pudera, Nadirinha era nova naquelas bandas. Seu pai nasceu na Capivara do Pingo, mas quando moço se envolveu em umas pendengas com os filhos de um fazendeiro e teve que fugir. Morou por muitos tempos em fazendas da região de São Domingos no município de Araponga. Por lá casou e teve duas filhas. A mais velha casou e foi morar em Ervália. Nadirinha ficou morando com o pai, que era viúvo e tinha fama de bravo.

Cena 5
Depois daquele encontro Geraldo vivia com o pensamento na lua. Por vezes ficava até altas horas da madrugada acordado contando estrelas e conversando com a lua. E em outras ocasiões passava dias e dias andando de canoa pelo rio. Muita gente chegou a pensar que ele estava era sofrendo de encanto. Uns diziam que era coisa da Iara. Uma índia muito bonita, que encantava os homens e os levavam pro fundo do rio. Teve gente que jurou ter visto Geraldo conversando com uma índia na beira do rio e que ela tinha o corpo metade mulher e metade peixe.
O que se sabe é que o homem tava mudado. Ao invés de plantar roça só plantava flores. Abandonou a lida com os animais, e toda semana passava na barbearia de seu Nico Felix, para cortar cabelo e fazer a barba.

Cena 5
Sua mãe ficou preocupada e resolveu passar uns dias na casa de Domingos, seu filho mais velho. Que morava na cidade. Pensou que talvez por lá encontrasse recurso de levar Geraldo a um medico ou a um benzedor. E que Deus não permita, mas caso fosse o caso poderia levá-lo para Barbacena.
No caminho D. Maria, resolveu parar na igreja para confessar e mandou que ele fosse à frente.
E foi nesse momento que a vida preparou um acaso. Pois ela, a vida, sempre prepara os mais belos acasos para os homens de boa fé.

Cena 6
Quando chegou à casa de Domingos, ao entrar, a primeira e única coisa que Geraldo avistou foi a bela moça. Lá estava ela aos serviços de seu irmão, passando roupa com ferro de brasa. Ele estava completamente apaixonado. Chegou bem perto e perguntou seu nome.
-Nadirinha a seu dispor.
-Ao meu dispor e ao meu amor.
Disse ele apaixonado. E dançou por toda casa. Foi até o jardim colheu a mais bela flor, colocou em seus cabelos e a convidou para ir ao cinema naquela mesma noite. E ela meio encantada e surpresa aceitou o convite.
E naquela mesma noite São Miguel do Anta foi iluminada pela mais bela lua de que se tem noticias naquelas bandas. E na hora marcada lá estavam os dois, encantados e embriagados pelo perfume do amor. E durante toda aquela lua cheia Nadirinha e Geraldo se amaram por todas as noites, e a cada dia ficavam mais apaixonados. Quando estavam separados parecia que o tempo estava congelado no espaço. Quando estavam juntos as horas pareciam correr como enchente de rio. Durante os sete dias de lua cheia os amantes não sentiram cansaço, fome, sono ou sede. Durante o dia se ocupavam com os afazeres, para que tempo passasse mais rápido. E a noite se ocupavam com um amor puro e sublime. Vivido por ambos com a intensidade de um vulcão em erupção.

Cena 7
Mas acontece que nem tudo nessa vida é tão perfeito com Deus desenha. Ou os desenhos de Deus é q são tortos?) E tão rápido como surgiu a amor surgiram os boatos. A conversaria. O mexerico. As fofocas. Golpe do baú. Interesse. Gravidez. De tudo se falava. Da cidade ao córrego fundo. Da Capivara até a Fundaça. Do Sem-peixe ate a Ponte do Rio. Todos falavam, todos comentavam. Uma pouca vergonha. Um golpe, com certeza um golpe.
Alheios aos comentários Nadirinha e Geraldo se amavam cada vez mais.
Mas Filomeno, irmão do meio de Geraldo, convoca uma reunião de família, e decidem acabar com aquela pouca vergonha.
-Pois é um absurdo um homem da sua idade se deixar enganar por uma caboclinha qualquer. Que só quer saber do seu dinheiro. No mínimo deve estar grávida. Ta procurando a sua herança.

Cena 8
Abateu-se profunda tristeza em Geraldo. Mas não desistiu. E foi até a igreja procurar o padre. Mais coisa rara era vê-lo na igreja. Mais comum era encontrá-lo no Bar de Geraldinho ou no Bar de Mario Nogueira

Cena 9
Padre Wandick sempre foi um homem muito querido por todos na cidade... Quando chegou a São Miguel o padre não bebia, e por estar em uma cidade muito festeira o padre, para não fazer desfeita, começou a tomar vez ou outra uns goles numa cachacinha. O que no inicio era somente para não fazer desfeita foi virando habito e depois virou rotina. Era certeiro quando não estava rezando missa o padre estava no bar esquentando o peito com uma “água benta” de onde por várias vezes saía amparado por duas ou mais pessoas.
Mas nunca ninguém o levou para casa. Pois num precisava. O padre tinha um fusca ensinado, batizado pelo nome de Guilherme. O tal fusca azul calcinha, melhor dizendo azul celeste era o carro da paróquia. E todos sempre quiseram saber como sem nem ao menos conseguir dar um passo sequer, o Padre Wandick era colocado dentro do fusca, girava a chave e ia até a sua casa, só mesmo sendo ensinado.
E foi Bafo-de-bode, um dos bebuns mais famosos da cidade, que certa vez jurou de pé junto que viu Guilherme, o fusca ensinado, levar o padre até a porta da casa paroquial e voltar sozinho pra garagem. E depois disso ele só dormia ao lado do fusca.
- Se ele leva o padre são e salvo até a porta da casa, proteger o velho Bafo é muito mais fácil.
E a verdade é que Bafo só veio a morrer, e de frio, depois que não tinha mais o fusca por perto. Mas isso é outra história.
Voltando ao fusca Guilherme. Ele já deu muito banho de gasolina no moleques, que vez ou outra, assaltavam o tanque do padre. Mas impressionante mesmo foi um dia, em que ao invés de só roubarem gasolina resolveram levar o fusca. Queriam só dar umas voltas em Viçosa e depois devolveriam. Mas acontece que acostumado a carregar o padre encharcado de “água benta” pelas perigosas estradas de Canaã, o fusca com outro motorista, fez birra, não fez nem quatro curvas e virou de roda pra cima. Claro que sendo um fusca ensinado e bento, ninguém se machucou. Nem bombeiro nem policial desvirava o fusca. Diz que foi só padre Wandick chegar que Guilherme desvirou sozinho, deu duas buzinadas e ainda trouxe o padre de volta pra casa. Foi o primeiro fusca a álcool que eu conheci.

Cena 10
Mas agora vamos adiante e voltemos atrás.
Foi no bar de Geraldinho que Geraldo Lope encontrou com o padre. Contou ao Padre Wandick toda a situação e pediu que ele fizesse um casamento escondido. E ainda naquele dia.
Mas os boatos correram mais rápido que Geraldo. E quando ele voltou pra casa de Domingos, D. Maria, sua mãe já o estava esperando. E foi ele chegar e ir ouvindo prosa.
-Muito bonito senhor Geraldo. O que você quer me matar de desgosto. Desonrar meu nome, o nome do seu pai e de toda a família. Já estou velha mais ainda sou sua mãe e o senhor me deve respeito. E quanto ao senhor se quiser me ter como mãe, não se encontre nunca mais com essa caboclinha.
Não contente a velha ordenou a Domingos que colocasse Nadirinha no olho da rua.
Cena 11
Excomungada. Escorraçada e mal falada na cidade toda. A coitada da menina decidiu partir da cidade. Separou suas coisas, juntou sua mala.
Ao saber da partida de sua amada, Geraldo imediatamente vendeu suas terras a um irmão e partiu atrás da amada
Quando Nadirinha viu Geraldo chegar à rodoviária e gritar seu nome, seus olhos mudaram de cor e um sorriso enorme tomou conta de seu rosto. Ela não acreditava que Geraldo iria partir com ela.
Assim, Geraldo sacou o dinheiro e estendeu a dama.
-Para que em sua viagem não fique desamparada.
Ela fechou o sorriso. Não chorou. Não falou. Apenas partiu

Cena 12
E Geraldo de bom moço e abastado tornou-se um braçal. Tornou-se um homem duro da lida, de mãos ásperas e coração seco.
E como amigo e confidente encontrou Carrapicho.
E o dito Carrapicho era uma das figuras mais estranhas da cidade. Tinha três paixões. Suas terrinhas, no Córrego fundo, a meia dúzia de vacas que tinha e as Festas de folia de Reis. As terras e as vaquinhas eram sua lida diária e a folia sua maior diversão. Onde trocava um triangulo que era feito com trilho de trem e tocado com um vergalhão desses de construção. Dizem que quando ele tocava ficava até meio que pendendo de lado, devido ao peso do instrumento.
Certa feita, Geraldo e Carrapicho foram para uma festa na cidade de Pedra do Anta. Partiram na sexta-feira e só voltaram na segunda. Quando estavam chegando ao sitio de Carrapicho, assim que atravessaram a porteira, sentiram um cheiro meio estranho. O velho Carrapicho procurou, procurou e quando assustou viu uma de suas vaquinhas atolada no brejo. Já morta. Estendida a léu e á própria fome dos urubus. Carrapicho pegou umas pedras e atirou. Uma depois outra. Até que todos os urubus fossem embora. E depois que os bichos partiram disse:
-Ô Geraldo vai lá dentro ascende o fogo, coloca o tacho de cobre com água pra ferver e uma gordura pra esquentar.
-Mas que isso Carrapicho, essa vaca já ta é fedendo.
-Sê bobo sô. Sal é barato, pimenta não custa dinheiro. Ce acha que eu vou desperdiçar carne.
Cena 13
E foi com Carrapicho que Geraldo virou freqüentador assíduo da venda de Seu Raimundo Rosa. E esse referido estabelecimento ficava no caminho entre a Esperança e Córrego São José. Era uma dessas casas onde se acha de tudo. Desde mantimentos até uma cachacinha da boa. O espaço era muito simples, não muito grande, mais simpático. Um salão, com varias estantes e caixotes com mantimentos, uma estante com as bebidas, um balcão e do lado de fora, em uma varanda de meia parede, uma mesa de sinuca e uns bancos de madeira. Só tinha um detalhe, a venda era meio suja e cheia de teias de aranha. Quando alguém reclamava da sujeira Seu Raimundo Rosa dava um sorrisinho de lado e dizia.
-Cê bobo sô, quanto mais sujeira mais dinheiro.
Toda a noite, a caminho da venda, ao passar em frente á fazenda de Juquinha de Assis, Geraldo levava um galope de dois cachorros amarelos. Era toda noite a mesma coisa.
Um dia ao chegar à venda Geraldo falou pra Zezinho, que era filho mais moço de Juquinha de Assis.
-Ô Zezinho, cê podia dar um jeito de prender aqueles cachorros. Que todo dia eles tão me galopeando por essas estradas. E isso não ta certo não.
E com deboche Zezinho falou.
-Que isso homem de Deus os bichos são mansinhos, mansinho. Além do mais não comem carne de segunda.
E essa não foi a única vez que Geraldo fez o alerta não. Mas sempre a resposta vinha com deboche.
Então na sexta-feira quando Carrapicho foi até a cidade, levar umas galinhas pra vender, Geraldo fez uma encomenda.
-Ô Carrapicho, ce pega aqui esse dinheiro e passa na farmácia do Francisquinho e me traz meia dúzia de bala, pra revolver 38. Vá lá, que lá é certeiro que tem.
Carrapicho ficou meio assustado, mas atendeu o amigo sem perguntar nada. E naquela noite Geraldo carregou seu 38, pôs na cintura e partiu em direção à venda. Quando passou em frente à fazenda não deu outra. Os dois cachorros vieram latindo. E foi um tiro pra cada um. Certeiro. Na cabeça. E esses não incomodam mais ninguém.
Geraldo chegou à venda e pediu a Seu Raimundo uma dose de cachaça, depois outra. E ficou por ali sentado num banco e proseando. Não tardou muito e apareceu Zezinho, que já foi falando.
-Ô Geraldo! Faz favor. Chega inté aqui homem.
Geraldo saiu do lado de fora da venda e Seu Raimundo Rosa foi atrás, já prevendo confusão.
-Pois não Zezinho.
-Que história é essa do senhor matar meus dois cachorros. Posso saber.
-Gente vamos deixar de confusão.
Falou Seu Raimundo.
-Ô Zezinho eu vou te falar uma coisa rapaz. Do revolver que matou aquelas duas peste ainda tem mais quatro balas. E se eu gastar uma delas com você vai ser mais bem gasto. Porque o cachorro é bicho inocente e você não vale nada.
E sacou a arma.
Nesse momento Zezinho sumiu na estrada e Seu Raimundo Rosa deu um mergulho na meia parede, rolou por cima da mesa de sinuca, entrou pra dentro da venda e deu o movimento por encerrado.

Cena 14
E Geraldo no mesmo dia fez um cruzeiro. Foi até as margens do rio, no mesmo local onde tinha avistado pela primeira vez Nadirinha. Atravessou o rio a nado, fincou o cruzeiro ao lado do arbusto onde encontrou o pedaço do vestido da bela dona e fez um juramento.
-Eu juro! Pelo amor que sinto a Nadirinha, e pelo temor que tenho a Deus. Que nunca mais, nunca mais, nem tocarei e muito menos amarei mulher alguma.
E depois desse acontecido, passaram mais de trinta anos. E Geraldo era só do trabalho pra casa. E por mais que D.Maria tentasse, ele jamais quis saber de outra mulher. Tornou um homem de poucas e acertadas palavras.

Cena 15
Por essa época D.Maria tinha por melhor companhia um coelho branco, que era o xodó da velha. Por vezes até na cama o bichinho dormia. Tudo ia indo muito bem. Até que mudou pra fazenda Rita de Zé Bernardo e com ela um cachorro, que a molecada chamava de Til. O bicho era mansinho que só vendo. Vivia no terreiro. Mais só que um dia Rita viu o cachorro correndo atrás do coelho. Ele olhava o bicho e lambia os beiços. A dona logo pensou.
-Vou ter que prender esse cachorro. Se ele comer esse coelho a velha tem um troço.
E assim fez, colocou Til na coleira. Tudo ia indo muito bem. Até que um dia os meninos resolveram soltar o cachorro para irem levar o almoço do pai, que trabalhava nas plantações de milho. E não é que o cachorro apareceu no terreiro antes dos meninos. E com o coelho na boca, todo sujo de terra e de sangue e morto. D.Rita mais que depressa tomou o coelho da boca do cachorro, lavou o bicho com sabão de abacate, pôs pra quará e depois lavou com sabonete. E ele ficou branquinho, branquinho. Ela esperou secar. Foi até a janela da sala de D.Maria e pé por pé, colocou o defunto do coelho na janela. Sem nenhum vestígio do ataque do cachorro.
Quando D.Maria chegou à sala que reconheceu o corpo de seu coelho, exclamou.
-Creio em Deus padre três vezes. Esconjuro Nosso Senhor Jesus Cristo. Sangue do pai eterno tem poder. Virgem Santíssima me valha.
E falou também mais o nome de quase todos os santos da folhinha de mariana. Logo depois caiu no chão, de paletó abotoado e pé junto, mortinha da silva. Morreu de ataque cardíaco. Adevido ao susto que levou.
É que naquela manhã seu coelho tinha morrido, engasgado com uma sacola plástica. A velha mesmo foi quem fez a cova e enterrou o coelho. Tinha até colocado uma cruz com o nome do bichinho. Debrisco. E agora ele apareceu ali na janela limpo e branco tal qual alma penada em despedida pro céu dos coelhos.

Cena 16
Quando soube da morte de sua mãe Geraldo estava dançando congado na festa de Nossa Senhora de Rosário. Ficou dividido por um sentimento de tristeza e outro de liberdade. Durante todo o velório não disse uma palavra. Dizem que durante o enterro, enquanto carregava o caixão as lagrimas escorriam de apenas um dos olhos. E no outro estava escondida uma alegria que transparecia amor e liberdade.
E foi só terminar a ultimas reza que Geraldo foi para casa correndo. Arrumou suas malas e partiu em busca de seu único e verdadeiro amor.

Cena 17
E Geraldo encontrou Nadirinha em um lugar onde jamais imaginou pisar um dia. Na cidade grande. E encontrou não só ela, mas também um casal de filhos, gêmeos que aparentavam uns vinte anos. Depois chegou na casa um homem que, aparentava trinta anos e Geraldo parecia conhecer de algum lugar. Ele perguntou a Nadirinha:
-É seu marido?
-Meu filho mais velho.
Isso intrigou Geraldo, porque coincidia com a data da lua mais bela de São Miguel do Anta. E além do que o rapaz trazia muitos traços de sua juventude.
-Será meu filho, será meu filho, será meu filho.
-Não! Ele é o fruto de um grande amor. De uma grande história.
E devido à grande insistência de Geraldo, Nadirinha partiu para um destino desconhecido. Deixando na mente do homem a duvida eterna.
-Será aquele garoto uma semente minha. Será ela a continuação da minha vida. A consagração de meu infinito amor.
Mas isso ninguém saberá. Porque Nadirinha ainda guardava algumas magoas, sofrera muito com o reencontro e sumiu no mundo. E Geraldo foi atrás, sem rumo.

Cena 18
Pelos caminhos da vida. Anda Geraldo hoje por todo o país e se necessário até fora dele, a procura de seu grande amor. O cometa que iluminou resplandecentemente sua vida. E desapareceu tão rápido como da primeira vez.
Hoje Geraldo procura a grande história, por todas as cidades dessas minas, por seus vales e serras. Com a esperança de encontrar, nem que seja por um instante, a luz que ilumina sua vida.

Cena 19
Mas meus caros espectadores não fiquem tristes. Pois o amor. Ah!!! O amor. È o mais resplandecente de todos os cometas. E o amor de Geraldo e Nadirinha foi capaz de permanecer iluminando e aquecendo seus corações por muito e muitos anos. E tenho certeza até a eternidade.
Então olhemos a nossa volta o procuremos nosso cometa. O cometa do amor. E nunca se esqueçam que o amor verdadeiro não se desfalece no tempo e muito menos se perde na estrada. O amor verdadeiro é de Deus a morada e para sempre em nosso peito e em nossa mente ficará guardado.


Cena 20
Meus queridos amigos
Não era esse o meu desejo
Mas é nessa hora que faço o encejo
Preciso por aqui terminar
Por essas minas Gerais
Muitos lugares preciso ainda andar
Pois busco a continuação dessa história
Pra saber se há nela um fim
Que seja ele bom ou ruin
Mas isso não tem importância
Importante é seguir nas minhas andanças
Caminhando sempre prela estrada.
Nessa minhas história
Tem coisa real e coisa inventada
E pra quem gostou
Peço menos que nada
Qualquer ajuda em dinheiro
Que seja uma moeda trocada
Pra uma ajuda na viagem
Se não tiver dinheiro por acaso
Faça pois uma homenagem
dando um forte aplauso
um pouquinho pra mim
e o resto tudo pra Geraldo

Coelhinho Branco

Por época de seu noventa anos D.Maria tinha por melhor companhia um coelho branco, que era o xodó da velha. Por vezes até na cama o bichinho dormia. Tudo ia indo muito bem. Até que mudou pra fazenda Rita de Zé Bernardo e com ela um cachorro, que a molecada chamava de Til. O bicho era mansinho que só vendo. Vivia no terreiro. Mais só que um dia Rita viu o cachorro correndo atrás do coelho. Ele olhava o bicho e lambia os beiços. A dona logo pensou.
-Vou ter que prender esse cachorro. Se ele comer esse coelho a velha tem um troço.
E assim fez, colocou Til na coleira. Tudo ia indo muito bem. Até que um dia os meninos resolveram soltar o cachorro para irem levar o almoço do pai, que trabalhava nas plantações de milho. E não é que o cachorro apareceu no terreiro antes dos meninos. E com o coelho na boca, todo sujo de terra e de sangue e morto. D.Rita mais que depressa tomou o coelho da boca do cachorro, lavou o bicho com sabão de abacate, pôs pra quará e depois lavou com sabonete. E ele ficou branquinho, branquinho. Ela esperou secar. Foi até a janela da sala de D.Maria e pé por pé, colocou o defunto do coelho na janela. Sem nenhum vestígio do ataque do cachorro.
Quando D.Maria chegou à sala que reconheceu o corpo de seu coelho, exclamou.
-Creio em Deus padre três vezes. Esconjuro Nosso Senhor Jesus Cristo. Sangue do pai eterno tem poder. Virgem Santíssima me valha.
E falou também mais o nome de quase todos os santos da folhinha de mariana. Logo depois caiu no chão, de paletó abotoado e pé junto, mortinha da silva. Morreu de ataque cardíaco. Adevido ao susto que levou.
É que naquela manhã seu coelho tinha morrido, engasgado com uma sacola plástica. A velha mesmo foi quem fez a cova e enterrou o coelho. Tinha até colocado uma cruz com o nome do bichinho. Debrisco. E agora ele apareceu ali na janela limpo e branco tal qual alma penada em despedida pro céu dos coelhos.

Movimento Encerrado

Foi com Carrapicho que Geraldo virou freqüentador assíduo da venda de Seu Raimundo Rosa. E esse referido estabelecimento ficava no caminho entre a Esperança e Córrego São José. Era uma dessas casas onde se acha de tudo. Desde mantimentos até uma cachacinha da boa. O espaço era muito simples, não muito grande, mais simpático. Um salão, com varias estantes e caixotes com mantimentos, uma estante com as bebidas, um balcão e do lado de fora, em uma varanda de meia parede, uma mesa de sinuca e uns bancos de madeira. Só tinha um detalhe, a venda era meio suja e cheia de teias de aranha. Quando alguém reclamava da sujeira Seu Raimundo Rosa dava um sorrisinho de lado e dizia.
-Cê bobo sô, quanto mais sujeira mais dinheiro.
Toda a noite, a caminho da venda, ao passar em frente á fazenda de Juquinha de Assis, Geraldo levava um galope de dois cachorros amarelos. Era toda noite a mesma coisa.
Um dia ao chegar à venda Geraldo falou pra Zezinho, que era filho mais moço de Juquinha de Assis.
-Ô Zezinho, cê podia dar um jeito de prender aqueles cachorros. Que todo dia eles tão me galopeando por essas estradas. E isso não ta certo não.
E com deboche Zezinho falou.
-Que isso homem de Deus os bichos são mansinhos, mansinho. Além do mais não comem carne de segunda.
E essa não foi a única vez que Geraldo fez o alerta não. Mas sempre a resposta vinha com deboche.
Então na sexta-feira quando Carrapicho foi até a cidade, levar umas galinhas pra vender, Geraldo fez uma encomenda.
-Ô Carrapicho, ce pega aqui esse dinheiro e passa na farmácia do Francisquinho e me traz meia dúzia de bala, pra revolver 38. Vá lá, que lá é certeiro que tem.
Carrapicho ficou meio assustado, mas atendeu o amigo sem perguntar nada. E naquela noite Geraldo carregou seu 38, pôs na cintura e partiu em direção à venda. Quando passou em frente à fazenda não deu outra. Os dois cachorros vieram latindo. E foi um tiro pra cada um. Certeiro. Na cabeça. E esses não incomodam mais ninguém.
Geraldo chegou à venda e pediu a Seu Raimundo uma dose de cachaça, depois outra. E ficou por ali sentado num banco e proseando. Não tardou muito e apareceu Zezinho, que já foi falando.
-Ô Geraldo! Faz favor. Chega inté aqui homem.
Geraldo saiu do lado de fora da venda e Seu Raimundo Rosa foi atrás, já prevendo confusão.
-Pois não Zezinho.
-Que história é essa do senhor matar meus dois cachorros. Posso saber.
-Gente vamos deixar de confusão.
Falou Seu Raimundo.
-Ô Zezinho eu vou te falar uma coisa rapaz. Do revolver que matou aquelas duas peste ainda tem mais quatro balas. E se eu gastar uma delas com você vai ser mais bem gasto. Porque o cachorro é bicho inocente e você não vale nada.
E sacou a arma.
Nesse momento Zezinho sumiu na estrada e Seu Raimundo Rosa deu um mergulho na meia parede, rolou por cima da mesa de sinuca, entrou pra dentro da venda e deu o movimento por encerrado.

Carrapicho

O dito Carrapicho era uma das figuras mais estranhas da cidade. Tinha três paixões. Suas terrinhas, no Córrego fundo, a meia dúzia de vacas que tinha e as Festas de folia de Reis. As terras e as vaquinhas eram sua lida diária e a folia sua maior diversão. Onde trocava um triangulo que era feito com trilho de trem e tocado com um vergalhão desses de construção. Dizem que quando ele tocava ficava até meio que pendendo de lado, devido ao peso do instrumento.

Certa feita, Geraldo e Carrapicho foram para uma festa na cidade de Pedra do Anta. Partiram na sexta-feira e só voltaram na segunda. Quando estavam chegando ao sitio de Carrapicho, assim que atravessaram a porteira, sentiram um cheiro meio estranho. O velho Carrapicho procurou, procurou e quando assustou viu uma de suas vaquinhas atolada no brejo. Já morta. Estendida a léu e á própria fome dos urubus. Carrapicho pegou umas pedras e atirou. Uma depois outra. Até que todos os urubus fossem embora. E depois que os bichos partiram disse:

-Ô Geraldo vai lá dentro ascende o fogo, coloca o tacho de cobre com água pra ferver e uma gordura pra esquentar.

-Mas que isso Carrapicho, essa vaca já ta é fedendo.

-Sê bobo sô. Sal é barato, pimenta não custa dinheiro. Ce acha que eu vou desperdiçar carne.

O Padre e o Fusca

Padre Wandick sempre foi um homem muito querido por todos na cidade... Quando chegou a São Miguel o padre não bebia, e por estar em uma cidade muito festeira o padre, para não fazer desfeita, começou a tomar vez ou outra uns goles numa cachacinha. O que no inicio era somente para não fazer desfeita foi virando habito e depois virou rotina. Era certeiro quando não estava rezando missa o padre estava no bar esquentando o peito com uma “água benta” de onde por várias vezes saía amparado por duas ou mais pessoas.

Mas nunca ninguém o levou para casa. Pois num precisava. O padre tinha um fusca ensinado, batizado pelo nome de Guilherme. O tal fusca azul calcinha, melhor dizendo azul celeste era o carro da paróquia. E todos sempre quiseram saber como sem nem ao menos conseguir dar um passo sequer, o Padre Wandick era colocado dentro do fusca, girava a chave e ia até a sua casa, só mesmo sendo ensinado.

E foi Bafo-de-bode, um dos bebuns mais famosos da cidade, que certa vez jurou de pé junto que viu Guilherme, o fusca ensinado, levar o padre até a porta da casa paroquial e voltar sozinho pra garagem. E depois disso ele só dormia ao lado do fusca.

- Se ele leva o padre são e salvo até a porta da casa, proteger o velho Bafo é muito mais fácil.

E a verdade é que Bafo só veio a morrer, e de frio, depois que não tinha mais o fusca por perto. Mas isso é outra história.

Voltando ao fusca Guilherme. Ele já deu muito banho de gasolina no moleques, que vez ou outra, assaltavam o tanque do padre. Mas impressionante mesmo foi um dia, em que ao invés de só roubarem gasolina resolveram levar o fusca. Queriam só dar umas voltas em Viçosa e depois devolveriam. Mas acontece que acostumado a carregar o padre encharcado de “água benta” pelas perigosas estradas de Canaã, o fusca com outro motorista, fez birra, não fez nem quatro curvas e virou de roda pra cima. Claro que sendo um fusca ensinado e bento, ninguém se machucou. Nem bombeiro nem policial desvirava o fusca. Diz que foi só padre Wandick chegar que Guilherme desvirou sozinho, deu duas buzinadas e ainda trouxe o padre de volta pra casa. Foi o primeiro fusca a álcool que eu conheci.